Capítulo 1 – Guaranésia: A Pequena Cidade do Interior e Suas Raízes Musicais e Culturais
Guaranésia é daquelas típicas cidades do interior de Minas Gerais que, à primeira vista, conquista pela simplicidade e charme. Com sua praça principal arborizada, bancos de ferro e a imponente Igreja Matriz de Santa Bárbara — padroeira do município —, a cidade acolhe visitantes como quem recebe um velho amigo. É ali, no coração da cidade, que muitos se reúnem para tirar fotos, reencontrar conhecidos e sentir o pulsar tranquilo da vida interiorana.
Por décadas, o coreto da praça foi palco das tradicionais bandinhas locais, que aos domingos enchiam o ar com melodias instrumentais que atravessavam gerações. Seus sons embalavam corações e marcavam encontros, despedidas e histórias de amor. Ao redor da praça, bares e cafés se tornaram pontos de encontro para aqueles que, ao som de violões, sanfonas e vozes apaixonadas, celebram a vida com uma bebida na mão e a música no coração.
Mas a cultura musical de Guaranésia vai muito além de sua praça central. Ela ecoa pelos bairros mais distantes, onde cada canto da cidade tem seu próprio movimento cultural, suas histórias únicas e seus artistas anônimos que mantêm vivas as tradições e melodias locais. É uma riqueza cultural que, mesmo longe dos holofotes nacionais, é intensamente valorizada por quem conhece suas raízes.
Guaranésia é, assim, um verdadeiro reduto musical e cultural, onde a identidade de um povo se revela nos acordes, nas letras e nas rodas de conversa embaladas por canções. Uma cidade pequena em tamanho, mas imensa em histórias, sons e sentimentos.
Capítulo 2 – O Começo de Tudo: A Infância Musical e os Primeiros Acordes
Tudo começou quando eu ainda era criança. Em uma casa simples, típica de cidade do interior, cresci cercado por melodias que, sem que eu percebesse, começavam a moldar minha identidade. A influência vinha de dentro de casa: meu irmão, com sua paixão pelo bom e velho rock’n’roll, costumava tocar guitarra, espalhando riffs que ressoavam pelos cômodos, enchendo o ambiente de energia. Ao mesmo tempo, minha mãe, nas manhãs em que eu me preparava para ir à escola, deixava no rádio as vozes inconfundíveis de Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, entre outras duplas que são verdadeiros pilares da música sertaneja de raiz.
Essas duas influências — o rock do meu irmão e a música sertaneja da minha mãe — começaram a formar, de forma natural, o alicerce da minha alma musical. Eu não entendia muito bem ainda, mas algo dentro de mim já começava a pulsar diferente quando ouvia uma canção.
Aos 13 anos, já mergulhado nas descobertas da adolescência, a música passou a ter um papel ainda mais forte na minha vida. Comecei a me aproximar de outros jovens que também compartilhavam esse mesmo sentimento. Foram amizades que nasceram da afinidade musical, do desejo de tocar, cantar, experimentar sons. E foi justamente nessa época que conheci alguém que se tornaria uma peça fundamental não apenas na minha trajetória, mas também na cultura musical de Guaranésia.
Mas, antes disso, ainda menino e aluno da Escola Estadual Carvalho Brito, vivi aquela que considero minha primeira experiência musical de verdade. Longe de qualquer tecnologia digital, sem redes sociais ou aplicativos para nos distrair, nossa infância era vivida nos campinhos de terra batida do bairro, jogando bola ou inventando qualquer passatempo que nos tirasse do tédio.
Foi nesse espírito inventivo que surgiu a ideia de criar uma banda — feita por crianças, com instrumentos de brinquedo, com muita imaginação e pouca afinação, mas com um entusiasmo que nem a maior das orquestras poderia igualar. Aquela brincadeira, aparentemente simples, se transformou em um marco para mim. Ali, ainda com pés descalços e coração aberto, começou a nascer de verdade meu amor pela música. Não era apenas diversão: era um chamado.
Essa pequena banda de infância foi a semente. Dali em diante, meu interesse pela cultura musical da nossa cidade só cresceu. Comecei a prestar mais atenção nos sons que vinham das casas vizinhas, nos ensaios das bandas que tocavam nas quermesses, nas vozes que ecoavam pelos bares e, claro, no velho coreto da praça central.
Eu ainda não sabia, mas aquela semente plantada na infância estava prestes a florescer — e levar comigo muitos outros que também carregavam a música no peito.
Capítulo 3 – A Pizza Cultural dos Anos 2000: O Rock em Guaranésia e o Nascimento de um Movimento
Vivi minha juventude em uma época em que o Brasil enfrentava o que eu gosto de chamar de uma verdadeira pizza cultural e musical. Era o final dos anos 90, começo dos anos 2000, e os ritmos se misturavam de forma quase caótica nas rádios, nas ruas, nas televisões. Tudo parecia confuso, ao mesmo tempo inovador. Estava em curso uma revolução sonora silenciosa — e ela não poupava nem mesmo os cantinhos mais tranquilos do país, como Guaranésia.
Naquelas manhãs e tardes de calor, era comum ouvir, pelas rádios locais como a Rádio Pássaro da Ilha e a Rádio Rural Nova Guaranésia, uma verdadeira salada de estilos. Tocavam de tudo: modas de viola, sertanejo raiz, pop rock nacional, bandas como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial... e às vezes até alguma coisa de axé ou pagode despontava. Mas foi ali, no meio desse caldeirão sonoro, que meu coração bateu mais forte pelo rock.
Esse amor pelo rock não era apenas sobre música — era sobre identidade, expressão, resistência. E foi aos 15 anos que essa paixão me levou a dar um passo ousado: formar minha primeira banda de rock. Junto comigo estava um jovem que logo se tornaria peça-chave para o cenário artístico-cultural de Guaranésia: Daniel Mello.
Daniel era diferente. Vinha do teatro, carregava no olhar um brilho de ousadia e nas palavras, uma paixão pela arte que contagiava. Ele não era só um músico, era também um agitador cultural, alguém que inspirava. Com ele, nós — jovens simples de uma cidade interiorana — começamos a sonhar mais alto. E esse sonho começou a tomar forma.
Nos reuníamos para ensaiar em garagens, quintais e salas emprestadas. Ainda sem muitos recursos, mas com uma vontade incontrolável de fazer música. Dali nasceu muito mais do que uma banda: nasceu um movimento cultural.
Foi neste mesmo período que os sarais de rua começaram a surgir — encontros espontâneos, cheios de música, poesia, performance e alma. Eles transformaram calçadas em palcos, postes em iluminação cênica improvisada e espectadores casuais em plateias apaixonadas. Os sarais não só deram voz a novos artistas, como também reacenderam a chama da cultura em Guaranésia.
Dessa movimentação efervescente nasceram bandas que, mesmo depois de tantos anos, ainda vivem na memória dos que testemunharam aquela época mágica. Reação Ativa, Dona Zé, Salto Alto, Bate Cabeça — nomes que talvez não tenham ultrapassado as fronteiras da cidade, mas que marcaram profundamente a história musical local.
Foram anos intensos. De criação, de rebeldia, de experimentação. E mais do que isso: foram anos em que provamos que, mesmo em um município pequeno e muitas vezes esquecido no mapa cultural do país, a arte tem força, tem espaço e tem voz. Voz essa que ecoa até hoje nas lembranças, nas gravações caseiras guardadas com carinho e, principalmente, nos corações daqueles que viveram aquele movimento como uma verdadeira revolução.
Capítulo 4
Entre Tecidos e Acordes
No início dos anos 2000, minha família decidiu que era hora de eu arrumar um emprego "de verdade". Conseguiram pra mim uma vaga na tradicional Fábrica de Tecidos Santa Margarida. Eu me lembro como se fosse ontem. Era um adolescente cheio de sonhos, envolvido até o pescoço com música e teatro.
Naqueles dias, eu trabalhava nos fins de semana como roadie da banda de forró pé de serra Dona Zé, que estava fazendo sucesso por toda a região mineira e pelo interior paulista. Além disso, também tocava com minha própria banda, a Reação Ativa. Meu coração batia no compasso das músicas que criávamos e no calor dos palcos improvisados. Eu era só mais um adolescente latino-americano que queria viver da sua arte — não da fama, mas da paixão.
De repente, me vi mergulhado no barulho das máquinas, enrolado nas linhas e tecidos da fábrica, com o sonho da música escorrendo pelas mãos feito água. Eu nunca quis ser famoso, desses que aparecem na televisão. Só queria tocar numa banda, ganhar meu sustento fazendo o que gostava. Sonhava como sonham os adolescentes: com intensidade, com esperança, com ilusão.
Lembro da minha infância, vendo meu irmão tocar violão. Quando eu chegava da escola, corria pra lavar a louça só pra poder, escondido, pegar a viola caipira do meu pai — que ficava pendurada na parede — e tentar tirar algumas notas. Eu não podia encostar nela, era proibido, “pra não estragar”. Mas mesmo assim, com uma revistinha do Cifras Club nas mãos, eu arriscava uns acordes. Aquele gesto, simples e desobediente, era meu primeiro passo na estrada da música.
Hoje, olho pra trás e ainda não sei explicar qual foi a força que me empurrou naquela direção. Mas sei que foi ela que moldou quem sou. Não sei se virei músico, artista ou operário — talvez um pouco de tudo. Mas sei que ali, entre a Fábrica Santa Margarida e as bandas de Guaranésia, eu comecei a entender o que era lutar pelo que se ama.
Capítulo 5 - Ainda enrolado aos fios e amargando o sonho da música
Ainda nos tempos em que eu era funcionário de uma fábrica têxtil, trabalhando no formato 6×2, inclusive aos sábados e domingos, via meus sonhos de viver da música e do que eu realmente gostava se tornarem cada vez mais distantes. Para variar, a banda em que eu tocava já havia colocado outro músico no meu lugar, o que me rendeu apenas a amarga realidade de, nas pequenas folgas que tinha, prestigiar as bandas da cidade tocando em bares e saraus — e eu ali, só assistindo, sem poder participar daquilo que tanto amava: a música.
Foi nessa época também que comecei a me interessar por outros estilos além do rock, que até então me havia fisgado de maneira intensa. Passei a ouvir MPB com mais frequência e a me dedicar ao violão e às batidas de ritmos diferentes, em especial sambas, bossa nova, entre outros. Algumas notas e letras já começavam a soar na minha cabeça, o que futuramente dariam origem a canções que compus.
Lembro que, naquela época, o forró pé-de-serra estava em alta na mídia, e em Guaranésia havia uma onda de grupos nesse estilo. Foi daí que surgiram os grupos Dona Zé e Juá, que faziam shows lotados por toda a região. Nas minhas folgas, eu estava sempre lá, prestigiando o som dessas bandas. Também foi nesse período que diversas bandas de Guaranésia começaram a gravar nos estúdios da Rádio Pássaro da Ilha FM.
Passei a me interessar cada vez mais pelo trabalho realizado pelos grupos locais e por todo aquele movimento musical que estava acontecendo. Bandas, duplas e artistas começaram a gravar CDs — era um momento fortíssimo da cultura musical local. Ao mesmo tempo, percebia a ausência de um trabalho mais sólido para fortalecer tudo aquilo para as futuras gerações. Até hoje, infelizmente, ainda há poucos acervos públicos desse momento riquíssimo da história cultural de Guaranésia.
Foi aí que surgiram as primeiras ideias de criar um espaço para divulgar os artistas locais e seus trabalhos. Mas eu não tinha tempo, nem sequer sabia por onde começar, já que computador com internet ainda era algo raro naquela época. Então, resolvi comprar um gravador de fita K7 portátil. Com ele, eu gravava alguns saraus, ensaios das minhas bandas (nas poucas horas vagas), tirava fotos dos artistas locais e comecei a montar um acervo de CDs que ganhava dos músicos da cidade.
Foi assim que recebi CDs de duplas como João Libby e Juliano, Otávio e Rosimar, da Banda Holden, entre outros. Foi uma época de ouro para aquela juventude pré-internet e redes sociais, que tinha sede de música nos recreios da Escola Estadual Alice Autran Dourado, participava de grupos de dança, criava bandas de garagem e fazia acampamentos em locais do município — onde se cantava Legião Urbana em volta da fogueira.
Lembro muito bem desses momentos, quando eu, Daniel Mello, Joãozinho Campestre, Paulo Inácio e uma turminha acampávamos à noite e ficávamos cantando Hoje a Noite Não Tem Luar, um sucesso da época.
O Centro Cultural Fernandina Tavares Paes teve um papel fundamental na cultura local de Guaranésia naquele período. Havia uma grande concentração de jovens que faziam teatro e ensaiavam músicas por lá. O diretor de teatro Fernando Romanelli era uma figura irreverente que vivia circulando pelos arredores, inspirando cultura por todos os lados. Foi também ali que tive o privilégio de assistir a uma palestra do ator José de Abreu.
Nessa mesma época, surgiu no município um jovem diretor de teatro que deu um verdadeiro gás na cultura local, com suas peças e encontros musicais em caminhões nas praças públicas — os saudosos saraus. Foi nesses saraus que surgiram bandas, grupos, poetas, artistas solo, grupos de rap, entre outros talentos.
Capítulo 6 – Quando a missão desperta sem pedir licença
Aos poucos, percebia que, além da música que era forte em mim, havia também uma ligação com ele, que me trazia contrastes: momentos de felicidade intensa e, outras vezes, tristeza e desânimo. Mas, como um leão feroz, havia dentro de mim uma missão – uma necessidade quase instintiva de mostrar a realidade cultural estampada nas praças, ruas e bairros de uma pequena cidade do interior. Guaranésia era distante dos grandes centros econômicos e culturais das capitais, mas era riquíssima em cultura.
Andava pelas ruas da cidade e via cultura por todos os lados: folia de reis nas casas das pessoas, duplas sertanejas se apresentando em bares, corporações musicais tocando nas praças... E nada disso era divulgado.
Foi então que, em 2007, dei os primeiros passos com os recursos que tinha: criei um blog no Blogspot – uma plataforma digital muito usada na época para divulgar ideias, pensamentos e conteúdos culturais. Foi justamente esse espaço que escolhi para começar a divulgar os artistas locais.
Lembro que comecei a postar quase diariamente biografias e discografias dos músicos de Guaranésia, destacando sua importância para o município. Divulgava os links no extinto Orkut, para que a população tivesse acesso à história dos artistas da cidade.
Naquele tempo, a internet começava a se popularizar. O Facebook e o YouTube ainda davam seus primeiros passos rumo ao que são hoje. E foi através desse blog, chamado Cultura de Guaranésia, que pude abrir portas. De forma gratuita, comecei a apresentar ao público artistas que nunca tinham tido suas biografias ou discos publicados. Com o tempo, fui também divulgando escritores locais e outras expressões culturais que mereciam reconhecimento.
Capítulo 7 – Entre quedas, acordes e recomeços
Em meados dos anos 2000, passei por um dos momentos mais difíceis da minha vida. Um amigo próximo perdeu a mão em uma máquina de fiação na Fábrica de Tecidos onde trabalhávamos. Aquela cena me abalou profundamente. Por gostar de música e estar envolvido com esse universo criativo, percebi que precisava mudar. Decidi sair da empresa onde já estava havia alguns anos e voltar a estudar. Me matriculei no supletivo à noite, e essa fase marcou uma grande virada.
Foi uma época de luta. Fiz de tudo para ganhar algum dinheiro e ajudar minha família: trabalhei como servente de pedreiro, colhi café e laranja, vendi propagandas de jornal, fui garçom… O que aparecia, eu fazia. Paralelamente, comecei a me apresentar em barzinhos da região, no estilo voz e violão, muito influenciado pelos discos de Renato Vargas, especialmente a coleção O Som do Barzinho.
Essas apresentações surgiram depois de algumas decepções com bandas — infelizmente, carrego até hoje certos traumas quando se trata de trabalhar em grupo nesse formato. Mas mesmo assim, impulsionado pelos sons de artistas como Almir Sater, Zé Geraldo, Zé Ramalho, entre outros, fui encontrando meu próprio caminho musical. Comecei a compor minhas primeiras canções e a me apresentar sozinho.
Ao mesmo tempo, continuava alimentando o blog Cultura de Guaranésia, postando biografias de artistas locais e mergulhando cada vez mais fundo na história pouco divulgada desses nomes que tanto contribuíram para a identidade cultural da cidade.
E são essas histórias que trago agora, nos próximos capítulos deste livro.
Capítulo 8 – A Música no Coração de Guaranésia: Das Filarmônicas ao Carnaval de Rua
Para falar sobre a música de Guaranésia, é preciso também apresentar a história do município, localizado no Sul de Minas Gerais.
Guaranésia é um município brasileiro do estado de Minas Gerais, situado na Região Geográfica Imediata de Guaxupé. Sua população recenseada em 2022 era de 19.150 habitantes.
O município foi criado por força da Lei Estadual nº 319, de 16 de setembro de 1901, com a denominação de Guaranésia — que significa "pássaro da ilha". O topônimo foi escolhido pelo Senador Júlio Tavares a partir de uma lista de três nomes, sendo os outros dois Gardênia e Tavarésia.
Em 18 de setembro de 1915, a Lei Estadual nº 663 elevou a Vila de Guaranésia à categoria de cidade.
Foi nesse lugar que surgiram as primeiras ideias para a realização deste livro. Em 1920, o município também teve suas primeiras expressões artísticas, com a criação da Filarmônica Guaranesiana, sob a regência do maestro Pedro Fontoura. Essa foi uma das primeiras manifestações culturais e musicais da cidade.
Já nas décadas de 1960 e 1970, as festas tradicionais e quermesses, que até hoje animam a população, tornaram-se palco para apresentações de artistas locais. Nessa época, surgiram nomes importantes da comunicação local, como o saudoso Nabi Miguel, que apresentava nas quermesses diversas duplas que marcaram a cultura musical da cidade, como Emanuela & Marli e Carreté & Marlene, além de outras duplas que encantavam os palcos das barracas com a tradicional música caipira.
Nabi Miguel se tornaria uma das principais referências do rádio local, ao lado de nomes como Luiz Alberto, Márcio Inácio, Joaquim Damásio, entre outros. Ele teve papel importante no cenário musical da época.
Na década de 1970, o ritmo da Jovem Guarda já não era tão predominante como na década anterior. O rock psicodélico, como o da banda Pink Floyd, e a soul music ganhavam força no cenário mundial — e em Guaranésia não era diferente. Apesar de ser uma cidade pequena e pouco conhecida Brasil afora, era ali que surgiam não apenas duplas sertanejas de quermesse, mas também a banda Os Demais, formada por jovens do município. Eles animavam a população, especialmente as tradicionais famílias que moravam ao redor das praças e frequentavam o clube local.
Nesse mesmo clube, ocorriam os famosos carnavais com marchinhas, que antecipavam o tradicional pré-carnaval de rua. Já nos anos 1990, o Carnaval deixou de ser restrito ao clube e passou a acontecer nas ruas, com a participação ativa da população. Foi nessa época que o Carnaval de Guaranésia ganhou fama de ser o melhor da região sudoeste mineira, atraindo turistas de várias partes do Brasil, interessados em participar da folia e conhecer as praças centrais da cidade.
Diversos blocos carnavalescos se destacaram na época, como o bloco K Entre Nós, entre outros. Além dos blocos, a cidade contava com a tradicional Escola de Samba da Fábrica de Tecidos Santa Margarida e a Escola de Samba do Massa, que animavam as ruas durante os dias de folia.
Voltando um pouco no tempo, em 1989, o então agitador cultural, locutor e atual empresário local Martins Som e Imagem, animava as ruas da cidade com o tradicional trio elétrico. Esse formato durou até 1995, sendo posteriormente expandido com apresentações de bandas locais e regionais, que animavam os cinco dias de Carnaval.
Capítulo 9 – Ecos de Uma Infância Musical
O ano era 1996 ou 1997. Eu era apenas uma criança que, naquela época, já preferia ouvir as obras de Milton Nascimento e o disco A Tempestade, da Legião Urbana, em vez de simplesmente cantarolar Sabão Crá-Crá, dos Mamonas Assassinas.
Justamente nesse período, cabia a mim ajudar a carregar o cubo de guitarra do meu irmão para que ele pudesse ensaiar com sua banda. Eu gostava daquela atmosfera musical: jovens reunidos em garagens e porões fazendo som, experimentando acordes, batidas e sonhos. Mas, apesar do fascínio, eu ainda era só uma criança — ora encantada com os ensaios, ora envolvida em partidas de futebol no campo, indecisa diante da vida e de tudo o que ela começava a me mostrar.
Ainda assim, desde cedo, estive envolvido com os movimentos culturais locais. Nessa época, frequentava quase diariamente o extinto Clube Alto Miguel Gibrim. Foi lá que tive meus primeiros contatos com as duplas sertanejas que se apresentavam no espaço, cantando modas de viola nas tradicionais rodas de cantoria, além de assistir aos ensaios das folias de reis, que percorriam as ruas do município durante o mês de dezembro.
Lembro com carinho da saudosa dupla João Preto & Cebolinha, que fazia um estilo semelhante a Tião Carreiro & Pardinho e animava o local com clássicas modas de viola.
Naquela época, as folias de reis eram ao mesmo tempo manifestações religiosas e folclóricas, que traziam consigo muito respeito por onde passavam. Os grupos saíam pelas ruas na véspera de Natal e retornavam no dia 6 de janeiro do ano seguinte, marcando o fim da peregrinação com uma grande festa. A comunidade se reunia para rezar o terço, se emocionava com as apresentações e, depois, comemorava com alegria e fartura o retorno da folia ao local de origem, após passar por fazendas e casas do município.
Tenho imensa sorte por ter vivido essas manifestações culturais e musicais tão ricas. Mesmo na infância, elas construíram em mim uma base sólida de apreciação cultural. Deram-me sensibilidade para enxergar cada expressão artística com mais profundidade. Mais do que apenas ver, aprendi a valorizar. Valorizar os momentos, os músicos e os artistas que, mesmo em sua simplicidade, marcaram uma geração e ajudaram a construir a identidade cultural desta pequena cidade chamada Guaranésia.
Capítulo 10 – O Surgimento de Bandas que Marcaram Época
Ainda no início dos anos 90, o município de Guaranésia viveu uma trajetória musical marcada por bandas que deixaram lembranças inesquecíveis, como a saudosa Banda Realce, que chegou a ter até um ônibus próprio com o nome da banda estampado. Naquela época, o grupo realizava shows por toda a região, fazendo um excelente trabalho musical.
A Banda Realce surgiu quando o Clube Recreativo Esportivo de Guaranésia pretendia realizar um Carnaval de Salão. Devido à falta de recursos para contratar uma orquestra, os organizadores tiveram a ideia de formar uma banda com músicos locais. A formação inicial contava com Luizão Oliveira nos teclados, Toninho Panissa nas guitarras, Roberto Motorneiro e Alexandre Pascoalini nos instrumentos de sopro, Mindua na bateria, além do maestro da Corporação Musical Santa Bárbara, Décio Garcia, que infelizmente faleceu no ano de 2025.
Lembro que, nessa época, eu era apenas uma criança que preferia jogar futebol e brincar pelas ruas do bairro a assistir bandas tocando. No entanto, tenho viva na memória a imagem do ônibus da Banda Realce circulando pela cidade. Posteriormente, em 1997, lembro da Banda Realce se apresentando no carnaval de rua de Guaranésia — uma lembrança marcante daquele tempo tão bom.
Houve também outras bandas locais que fizeram história e que, com um pouco mais de oportunidade, poderiam ter ultrapassado as fronteiras do município, como a Banda Bis e a Banda Epidemia, ambas formadas por músicos talentosos.
Nesta mesma época, lembro com carinho do saudoso Toninho Panissa, excelente guitarrista, e de seu filho Luís Antônio, um jovem promissor na bateria que também se destacava fazendo segunda voz em músicas sertanejas. Pouco antes de seu falecimento, ele tentou retornar à música, formando uma dupla sertaneja e realizando lives no auge da pandemia. Infelizmente, foi justamente a pandemia que levou nosso querido Luís Antônio Panissa.
Após o fim da Banda Realce, Toninho Panissa, junto com sua esposa Gelda Panissa, criou o espaço de entretenimento e lazer "Phisical Dance", que movimentava os finais de semana com bailes e muita música para a juventude. Após o falecimento de Toninho, o local passou a ser conhecido como o famoso "Bailão da Gelda", um espaço que até hoje é muito frequentado, animando as noites com o bom e tradicional forró pé-de-serra, e atraindo pessoas de toda a região.
Capítulo 11 – A Era de Ouro das Fanfarras em Guaranésia
Entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, eu era aluno da Escola Estadual Alice Autran Dourado, que funcionava no antigo prédio situado na Rua Santa Bárbara. Nessa época, a escola contava com uma fanfarra criada especialmente para se apresentar nos desfiles de 16 de setembro, quando se comemora o aniversário de emancipação política do município de Guaranésia.
Lembro perfeitamente que meu primeiro instrumento na fanfarra foi o surdo. Depois, passei a tocar a caixinha. Na fanfarra do ginásio Alice Autran Dourado, toquei poucas vezes, mas existia outra fanfarra onde participei por muito mais tempo e vivi uma experiência musical inesquecível: a famosa Fanfarra do Massa.
Edson Massa era o responsável pela fanfarra municipal e também pelas escolas de samba da cidade. Ele era extremamente organizado, reunindo diversos instrumentos e mobilizando a juventude da época, que participava em peso dos ensaios para os tradicionais desfiles de aniversário da cidade — e também para apresentações em outras cidades da região.
Foi nesse tempo que aprendi a tocar corneta. Levávamos o instrumento para casa e, à noite, eu e um grupo de amigos saíamos pelas ruas tocando e, claro, incomodando os vizinhos com nossa empolgação.
As escolas de samba e fanfarras organizadas por Edson Massa duraram até meados dos anos 2000. Por diversos motivos, essas atividades chegaram ao fim, deixando uma enorme saudade no município de Guaranésia — especialmente nos desfiles, que nunca mais tiveram o mesmo brilho.
Edson Massa faleceu alguns anos depois, mas até hoje é lembrado com carinho pelo trabalho que realizou em prol da cultura musical local. Foi através dessas fanfarras que surgiram diversos bateristas e músicos que mais tarde integraram bandas da cidade e da região. Sem dúvida, uma época que marcou uma geração e deixou um legado musical inesquecível.
Capítulo 12 – O Sertanejo Romântico Toma Conta de Guaranésia: Quermesses, Rádios e Talentos Locais
No final da década de 1990 e início dos anos 2000, o Brasil foi invadido pelo sertanejo romântico, popularizado por duplas como Leandro & Leonardo, João Paulo & Daniel, Chitãozinho & Xororó, entre outras. Em Guaranésia, não foi diferente. A cidade acompanhou esse movimento nacional e diversos jovens locais começaram a formar duplas sertanejas e a gravar discos no estilo.
A pioneira nesse estilo na cidade foi a dupla Luciano & Lucimar, que chegou a gravar um LP bastante executado nas rádios locais, marcando uma geração apaixonada pela música sertaneja romântica.
Com a chegada da era dos CDs, surgiu a dupla Otávio & Rosimar, oriunda do Distrito de Santa Cruz da Prata, pertencente ao município de Guaranésia. Eles gravaram um CD que teve grande repercussão regional, levando a dupla a se apresentar em diversos estados. Lembro que, na época, meus irmãos ganharam um CD deles com várias músicas que tocaram bastante nas rádios locais. Destaco as canções “Estou Vivendo por Viver” e “Marinheiro sem o Mar”, que eram presença certa na programação da extinta Rádio Rural Nova Guaranésia 1580 AM. Apesar de terem lançado apenas um disco, conseguiram grande destaque na região.
Seguindo a mesma linha romântica, surgiu também a dupla João Liby & Juliano, que igualmente lançou apenas um CD, mas com grande repercussão local. Suas músicas “Viver Assim Não Dá” e “Eu Não Te Quero Mais” fizeram sucesso nas rádios e em quermesses da região, levando o nome de Guaranésia a diversos lugares. Infelizmente, a dupla encerrou suas atividades no início dos anos 2000, deixando apenas um disco gravado e uma imensa saudade de uma época muito especial.
Em 2020, a música sertaneja regional perdeu um de seus representantes com o falecimento de João Liby, deixando um vazio entre os admiradores da dupla e daqueles que viveram essa era dourada do sertanejo em Guaranésia.
Capítulo 13 – Quando o Forró Tomou Conta de Guaranésia
No final dos anos 90, o Brasil foi incendiado por grupos de forró pé-de-serra que começaram a fazer grande sucesso nas rádios e nos programas de TV, como os grupos Falamansa e Rastapé. Pouco antes de estourarem nacionalmente, ambos se apresentaram no município de Guaranésia. Lembro perfeitamente de assistir ao Falamansa tocar em Guaranésia em um final de semana e, já no seguinte, vê-los explodir em todo o país.
Foi justamente nesse período que a cidade de Guaranésia foi inundada por diversos grupos de forró locais. Muitos começaram se apresentando naqueles mesmos saraus que cito no início deste livro — e onde também dei meus primeiros passos na música, tocando com a banda Reação Ativa.
Pouco antes de entrar para a Fábrica de Tecidos Santa Margarida, atuei como roadie da banda Dona Zé, formada inicialmente pelos músicos: Bil no violão, Felipe Laudade na zabumba, Guilherme na percussão e triângulo, e Joãozinho Campestre no acordeon. Com esse quarteto, viajamos por diversos locais da região, levando o melhor do forró pé-de-serra da época.
Guardo também na memória o saudoso Daniel Mello, mais conhecido como Daniel do Teatro, interpretando músicas da inesquecível Cássia Eller em ritmo de forró. Daniel também atuava como roadie do grupo e, posteriormente, assumiu os vocais da banda, substituindo Bil.
Naquela época, Guaranésia vivia um movimento musical intenso, que tomava conta das praças centrais, animando a cidade com bailes praticamente lotados. A banda Dona Zé protagonizou vários shows memoráveis no Clube Esportivo e Recreativo de Guaranésia. Quase todos os fins de semana, um caminhão era colocado na rua, impedindo a passagem de carros, para que os grupos pudessem se apresentar ao ar livre, no meio do povo.
Foi nesse contexto que surgiram grupos como Forró Brasil, República do Forró, Juá – A Expressão Nordestina e, claro, Dona Zé, entre outros. O grupo Juá era liderado pelo agitador cultural Baal Demary, que veio de São Paulo e promoveu diversos eventos marcantes em Guaranésia. Muitos desses eventos ainda hoje deixam um sentimento de saudade em quem viveu aquela época.
Dos grupos que surgiram no final dos anos 2000, apenas a banda Dona Zé continua em atividade até os dias atuais, embora com uma formação musical diferente e um estilo um pouco modificado. O ex-vocalista Bil, por exemplo, gravou algumas músicas próprias em estilo gospel alguns anos depois. Atualmente, temos poucas informações sobre ele, que, na época, encantou o público de Guaranésia e região com seu talento.
A banda Juá também encerrou suas atividades algum tempo depois, e seus integrantes hoje moram em outros municípios. Infelizmente, também temos poucas informações sobre eles atualmente. Ainda assim, deixaram seu legado: o grupo teve destaque com a canção “Chove”, que tocou bastante nas rádios locais. Já a banda Dona Zé também emplacou algumas músicas autorais que fizeram sucesso nas rádios da região.
Foi uma fase vibrante e inesquecível da cultura popular guaranesiana — um verdadeiro movimento musical espontâneo, nascido das ruas, das praças, dos saraus e do talento de tantos artistas que marcaram época com o autêntico forró pé-de-serra.
Capítulo 14 — Dona Lila, os Discos de Vinil e o Hino de Guaranésia
No final dos anos 1990, minha mãe fazia faxina todas as sextas-feiras para duas senhoras que moravam nos arredores das praças centrais de Guaranésia. Certa vez, ela chegou em casa com uma pilha de discos de vinil — relíquias de cantores da época do rádio, como Roberto Carlos, e um em especial que marcou profundamente minha vida: um LP do já falecido Francisco Petrônio, com canções maravilhosas.
Perguntei onde ela havia conseguido aqueles discos, e ela me contou que havia ganhado de Dona Lila, uma senhora para quem trabalhava, que tocava piano e órgão. Com o tempo, conforme fui me aprofundando na cultura musical de Guaranésia, descobri que Dona Lila era ninguém menos que a compositora do Hino à Guaranésia. Minha mãe tinha o privilégio de trabalhar para essa grande artista da cidade.
Lembro que ela me contava que Dona Lila costumava tocar piano enquanto ela limpava a casa. A música mais tocada era "O Menino da Porteira", sucesso na voz de Sérgio Reis. Apesar da idade avançada, Dona Lila era sempre sorridente, delicada e dona de um talento admirável. De vez em quando, eu a visitava com minha mãe. Ela adorava contar histórias, e entre as muitas que compartilhou, uma me marcou: a vez em que participou de um show de Agnaldo Rayol, acompanhando-o ao piano enquanto ele cantava uma canção.
Dona Lila foi uma pessoa muito especial, generosa e profundamente musical. Ela contribuiu de forma significativa para a formação do meu gosto musical, por meio dos LPs que presenteou à minha mãe.
Dona Lila nasceu em Guaranésia no dia 10 de dezembro de 1925 e faleceu em 26 de setembro de 2016. Ao lado de Dona Martha, nascida em 31 de março de 1922 e falecida em 2007, compôs o Hino Municipal de Guaranésia, reconhecido oficialmente em 1970, através da Lei nº 432, que dispõe sobre a forma e apresentação dos símbolos municipais.
Em 2016, ambas receberam uma justa homenagem da cidade: os coretos das praças centrais passaram a levar seus nomes, perpetuando a memória dessas duas mulheres que tanto contribuíram para a história e cultura de Guaranésia.
Capítulo 15 – As Rádios de Guaranésia AM e FM e os Artistas da Terra
Lembro-me de quando era criança e estudava no período da manhã. Logo cedo, enquanto me preparava para ir à escola, ouvia o rádio da minha mãe ligado na cozinha, tocando aquelas canções de modas de viola que marcaram época. A rádio, em especial, era a extinta Rádio Rural Nova Guaranésia 1580 AM, que durante décadas marcou várias gerações de guaranesianos, trazendo informação e entretenimento pelas ondas do rádio.
No final dos anos 1990, eu já era um simpatizante do rádio e adorava passar horas gravando minhas músicas preferidas em fitas K7. Em uma dessas ocasiões, acabei conhecendo os bastidores da Rádio Pássaro da Ilha FM 103,3, que funcionava em sua extinta sede na Rua Barão do Rio Branco, ao lado da Phisical Dance — atualmente conhecida como Bailão da Gelda. Quando conheci os estúdios da rádio e toda a sua mágica encantadora, fiquei extremamente entusiasmado com o sonho de um dia ser locutor daquela emissora. Infelizmente, esse sonho nunca se realizou. No entanto, quis o destino que, anos mais tarde, eu me tornasse locutor, ainda que por pouco tempo, de outra rádio local.
As rádios de Guaranésia tiveram um papel fundamental na sociedade guaranesiana, principalmente por abrirem portas para a divulgação dos trabalhos realizados por artistas da cidade. No início dos anos 2000, a Rádio Pássaro da Ilha FM contava com um excelente estúdio de gravação que oferecia uma qualidade profissional para a época. Foi nesse estúdio que muitos artistas locais deram início às suas obras, alcançando, em alguns casos, destaque regional e até nacional.
Foi ali, por exemplo, que o grupo local de rap Impacto Revolucionário, pioneiro no movimento, gravou sua primeira canção, “Transmitindo o Amor”, no início dos anos 2000. A música obteve destaque nacional, chegando a integrar uma coletânea de rap. A produção da faixa ficou a cargo do locutor Antônio Cláudio, que mais tarde teria um papel essencial na produção musical de diversos artistas locais.
Na mesma época, o município viveu uma verdadeira explosão de bandas de forró pé-de-serra, e vários desses grupos chegaram a gravar no estúdio da Pássaro da Ilha FM, com produção de Antônio Cláudio, um dos pioneiros nesse trabalho com artistas da região. Lembro perfeitamente de um dia, no final dos anos 90, quando estava na casa de um amigo. Ele tirou uma fita do bolso, colocou no toca-fitas e mostrou, em primeira mão, uma canção de sua namorada da época, moradora de Guaranésia. Fiquei impressionado com a qualidade da música — que nunca mais ouvi ou tive acesso — e depois descobri que ela havia sido gravada nos estúdios da Rádio Pássaro da Ilha FM. O impacto musical e cultural dessas obras em minha vida já se fazia presente ali, despertando em mim uma sede de conhecimento e o desejo de me aprofundar na produção musical local.
No decorrer da década de 2000, o uso do estúdio da Rádio Pássaro da Ilha FM para gravação de artistas locais aumentou significativamente. Lembro-me de inúmeras gravações produzidas por Antônio Cláudio nesse período. Além das minhas próprias canções, ele gravou músicas dos grupos Dona Zé, Impacto Revolucionário, Gil Brasil, Forró Juá, além de canções do artista guaxupeano Alan Trindade, que mais tarde se destacaria como excelente cantor de boleros, apresentando-se inclusive em outros países.
Um programa que merece destaque é o Expresso, comandado por Antônio Cláudio — que na época também era diretor da rádio. Criado em 2009, o programa foi ao ar por mais de uma década, exibido aos sábados. Ele deu visibilidade a inúmeros artistas da região, oferecendo entrevistas e espaço para divulgação de seus trabalhos. Hoje, o Grupo Expresso se transformou em um grupo de comunicação, com atuação diária nas redes sociais, levando notícias, entretenimento e informação ao público.
A Rádio Pássaro da Ilha FM 103,3 foi inaugurada oficialmente em 17 de dezembro de 1991, pelos fundadores Nabi Miguel, Ivan Mancini e Miguel Filho. O evento de inauguração contou com a presença de autoridades políticas, religiosas e figuras influentes da sociedade guaranesiana, e recebeu a bênção do saudoso Padre Álvaro.
Já a extinta Rádio Rural Nova Guaranésia 1580 AM teve papel igualmente importante na valorização da música local. Inaugurada no início da década de 1980, e com a popularização da música sertaneja, tornou-se referência em toda a região sudoeste mineira, conquistando diariamente uma audiência fiel e expressiva. Locutores como Joaquim Damásio, amante do rádio, encontraram ali uma oportunidade de se destacar. A rádio se notabilizou por abrir espaço a duplas caipiras da cidade, como Canarinho e Patativa, Carreté e Marlene, entre outros, que se apresentavam ao vivo nos programas da emissora.
Algumas décadas depois, sob o comando da Dona Marta, a rádio ganhou notoriedade pela sua programação jornalística regional. Um destaque era o programa Show da Manhã, apresentado pelo locutor Pica-Pau, que levava ao ar o famoso quadro Plantão Policial, resumindo os principais acontecimentos da semana e conquistando altíssimos índices de audiência. O programa também recebia artistas locais e regionais para entrevistas e divulgação de seus trabalhos. Outro programa importante da época foi o Notícia Interativa, apresentado aos sábados pelo saudoso Daniel Silva, que também abriu espaço para muitos artistas da cidade.
Infelizmente, a Rádio Rural Nova Guaranésia 1580 AM saiu definitivamente do ar por volta de 2016, após idas e vindas em seus últimos anos. Ainda hoje, ela é lembrada com saudade, principalmente por quem viveu os primeiros anos de sua trajetória.
Em meados de 2011, recebi um convite que me deixou surpreso: ser o primeiro locutor de uma nova rádio que estava para ser inaugurada em Guaranésia — a Rádio Comunitária Guaranésia ONG Viva 87,9 FM. Como já há anos eu admirava o rádio e sonhava em ser locutor, aceitei o convite na hora. Poucos dias depois, lá estava eu, pronto para apresentar meu primeiro programa, que era focado em músicas sertanejas raiz.
Sob a direção de Alcino Marangoni, Cláudio Paina, Paulo Marcos, Davi Franco da Silva, entre outros, a rádio me deu liberdade para criar um programa no formato que me deixasse seguro e à vontade para trabalhar. Assim nasceu o programa Roda de Viola, que abria espaço para apresentações ao vivo e entrevistas com artistas da cidade. Foram inúmeras entrevistas em quase um ano de programa, e ali fui desenvolvendo ainda mais a ideia de valorizar os músicos locais.
Tive a oportunidade de ouvir histórias de muitos artistas e conhecer as dificuldades que enfrentavam para divulgar suas músicas e realizar apresentações. Guaranésia, por ser uma cidade pequena do interior, carece de espaços e incentivos para os artistas. Muitas vezes, quando existe espaço, a divulgação é mínima. Eu mesmo, como artista local, senti na pele essas dificuldades. Foi ouvindo essas histórias que passei a buscar maneiras de criar espaços para que os artistas pudessem mostrar seus trabalhos — criei blogs de cultura, programas de rádio e até encontros de música na feira de Guaranésia.
Esse movimento foi se tornando, dentro de mim, algo cada vez mais intenso: fazer acontecer, com ou sem apoio financeiro. Porque, infelizmente, é possível contar nos dedos as vezes em que recebi apoio de pessoas ligadas ao meio cultural para realizar um projeto. Mesmo assim, o amor pela música e pela arte local sempre falou mais alto.
Capítulo 16 – O Rap e o Hip Hop Transformando as Comunidades Locais
No início dos anos 2000, o rap brasileiro já havia consolidado seu espaço, impulsionado por milhões de cópias vendidas do emblemático disco Sobrevivendo no Inferno, do grupo Racionais MC’s. Esse movimento reverberou também em Guaranésia, onde diversos grupos começaram a agitar a cena musical local, principalmente nos bairros periféricos do município.
Os precursores do movimento em Guaranésia foram o jovem artista Mano Rap e outros integrantes que, juntos, formaram o primeiro grupo de rap guaranesiano: Impacto Revolucionário. Com um estilo próprio, diferente dos grupos paulistas da época, o Impacto Revolucionário começou a gravar músicas autorais que retratavam fielmente as dificuldades enfrentadas pela população local — especialmente nos bairros mais afastados do centro. Suas letras traziam mensagens de fé, superação e, de maneira inusitada para o cenário predominantemente urbano do rap, abordavam também a vida no campo e os desafios enfrentados pelos lavradores da região.
Uma das principais canções do grupo foi "Transmitindo o Amor", que teve grande repercussão nas rádios e acabou sendo incluída em uma coletânea nacional de rap, garantindo ao grupo visibilidade em várias partes do país.
Outro grupo que surgiu nesse mesmo período foi o Consciência Racional, formado pelos rappers N’Black e JP. Eles também gravaram músicas nos estúdios da Rádio Pássaro da Ilha FM e alcançaram boa repercussão regional com suas composições.
Com o tempo, o grupo Impacto Revolucionário encerrou suas atividades e deu origem a uma nova formação: a dupla Mano Rap e DJ Carlin, que chegou a lançar um CD de forma independente. Já o Consciência Racional gravou apenas algumas músicas e, posteriormente, não houve mais informações sobre seus integrantes. Sabe-se apenas que o rapper JP chegou a lançar algumas canções solo, com alguma divulgação em rádios e na internet. No entanto, atualmente, não há registros atualizados sobre seus trabalhos musicais.
Atualmente, Mano Rap e DJ Carlin integram o grupo Voz da Mente, que conta também com a participação do agitador cultural, defensor do Hip Hop em Guaranésia e ex-vereador Lucas Capacete.
Capítulo 17 – Notas que Embalam Memórias: A Corporação Musical Santa Bárbara
Lembro com certa nostalgia dos finais de tarde de domingo, quando frequentava as praças de Guaranésia e observava com atenção a banda que se apresentava no coreto da Praça Dona Sinhá. Com seus instrumentos de sopro e percussão, eles encantavam o público a cada semana.
Pouco tempo depois, foram abertas vagas para aulas de música voltadas à população. Não hesitei em me inscrever no Centro Cultural Fernandina Tavares Paes, onde, durante algum tempo, tive aulas de partitura nas tardes de sábado com um senhor muito gentil e calmo, que ensinava os jovens com total dedicação. Senhor Moura, era assim que o chamávamos. Infelizmente, nunca mais tive notícias dele, mas foi com ele que iniciei meu aprendizado musical na Corporação Musical Santa Bárbara.
Participei durante alguns meses, mas logo comecei a me interessar por instrumentos de cordas, especialmente o violão e o contrabaixo. Naquela época, eu estava muito envolvido com o rock e era fã de bandas como Iron Maiden e até mesmo Sepultura. Por isso, não me sentia preparado para o tipo de música que a Corporação tocava.
Somente anos depois, com mais maturidade musical, passei a compreender e valorizar o trabalho incrível daquela banda, que animava os domingos no coreto e embalava os corações apaixonados dos casais que se sentavam nos bancos da praça, deixando-se levar pelas melodias instrumentais que marcaram época.
A história da Corporação Musical Santa Bárbara remonta à antiga Orquestra Maestro Pedro Fontoura, de 1925. Oficialmente, a corporação foi fundada em 1983 e é carinhosamente conhecida como "Furiosa". Hoje, é uma importante aliada da educação musical em Guaranésia. Sob a liderança do atual maestro Rodrigo e do presidente da Corporação, realiza-se anualmente o Encontro de Bandas de Guaranésia, um evento que celebra a tradição musical da cidade e proporciona momentos de alegria tanto para os músicos quanto para o público.
Capítulo 18 – Rock e Reggae: O Som da Juventude Guaranesiana
Voltando novamente no tempo, lembro perfeitamente de um trio de jovens garotos que havia acabado de gravar seu primeiro CD, totalmente cantado em inglês. Eu, ainda muito jovem e imaturo na questão artística, ia de bicicleta até um galpão de uma empresa para vê-los ensaiar. Saía de lá praticamente surdo de tanto barulho, mas totalmente entusiasmado com aquilo que havia presenciado — a magia da música acontecendo bem ali, diante dos meus olhos.
Os jovens que integravam a banda eram: Emanoel de Marco na bateria, Cesar no baixo e Mateus na guitarra e voz. A banda se chamava Holden. Eles haviam acabado de gravar seu primeiro CD de forma totalmente independente, com um estilo underground e letras em inglês. Lembro que também haviam concedido entrevistas na Rádio Pássaro da Ilha FM sobre o disco. Nunca me esqueço da bela balada chamada “Andréia”, no estilo de “Polly”, do Nirvana.
No começo dos anos 2000, lembro também de ver o virtuoso guitarrista guaranesiano Markin Slash tocando com a Flávio Marx Band, de Guaxupé, no Clube Esportivo e Recreativo de Guaranésia. Na ocasião, ele interpretava com maestria solos de Pink Floyd e Dire Straits.
Era uma época intensa, musicalmente falando, para o município. Surgiam bandas e mais bandas de rock, como a Banda Salto Alto, formada apenas por jovens estudantes da Escola Estadual Alice Autran Dourado. Além dela, destacaram-se grupos como Reação Ativa, Banda Deturpados, Fenda do Biquíni, Anderson Moretti, Groovy Darth, entre outros.
As bandas geralmente se formavam em garagens e ensaiavam com dedicação até conseguirem oportunidades para tocar em eventos na cidade e na região. Os principais locais de apresentação eram os recreios animados das escolas locais, saraus, quermesses, e, ocasionalmente, eventos públicos.
Também nessa época surgiu a banda Os D+, que levava o mesmo nome da antiga Banda Os Demais, surgida na década de 70. Eles embalavam as noites guaranesianas com apresentações no Clube Esportivo e Recreativo de Guaranésia. Os D+ era um grupo formado por jovens músicos, tendo como vocalista o saudoso Daniel Barbosa, que adorava cantar músicas do Guns N' Roses. A banda contava ainda com seu irmão Diego Barbosa na guitarra, Jerry Adriano na bateria e Gil Duane no baixo. O grupo permaneceu ativo até meados dos anos 2000, quando encerrou suas atividades, com cada integrante seguindo seu caminho.
A banda Reação Ativa, criada no final da década de 90, teve um papel importante no cenário musical de Guaranésia. Foi uma das primeiras iniciativas do saudoso vocalista Daniel Mello, um artista nato, que desde muito jovem demonstrava talentos incríveis para a música e o teatro. Fã incondicional de Cássia Eller, interpretava suas canções com dedicação e autenticidade. Daniel Mello faleceu em 2012, deixando uma imensa saudade na cultura local. Ele é lembrado até hoje nas rodas de teatro, especialmente na sede do grupo Máscaras, onde há uma sala especial que leva seu nome, como homenagem póstuma.
Por volta de 2005, com o surgimento do sertanejo universitário e o fim de diversos grupos musicais de Guaranésia, muitas bandas se dissolveram. Isso se deu, em grande parte, porque vários músicos se mudaram para outras cidades ou foram estudar fora. Foi também nesse período que surgiu o grupo República do Reggae, derivado do antigo República do Forró. Agora em um novo formato, a banda contava com Fabião Dias nos vocais. O grupo chegou a gravar um CD de forma independente, tendo boa execução nas rádios locais, mas infelizmente encerrou suas atividades algum tempo depois.
Capítulo 19 – Samba, Axé e Pagode: O Ritmo que Embalou a Juventude Guaranesiana
O final da década de 90 em Guaranésia foi um verdadeiro palco de bandas e artistas surgindo por todos os cantos — ensaiando em garagens, quintais e varandas, em praticamente todos os bairros da cidade. Naquela época, o pagode e o samba estavam em alta nas paradas de sucesso, com grupos como Raça Negra e Só Pra Contrariar tocando fundo o coração da juventude com seus pagodes românticos.
Em Guaranésia, também já existiam grupos que seguiam esse mesmo estilo musical, com destaque para o grupo Bate Cabeça, criado nas tradicionais rodas de pagode entre amigos. O grupo começou seus ensaios na garagem da casa do vocalista Leandro Pacheco. Lembro-me de sempre ir assistir aos ensaios e de como gostava da qualidade musical da banda, que transitava com naturalidade entre o pagode romântico dos anos 90, o samba tradicional e, em certos momentos, também o axé.
O Bate Cabeça se apresentou em diversos eventos do município, principalmente quermesses e eventos fechados na cidade e na região. Após algum tempo, o grupo encerrou suas atividades, com cada integrante seguindo caminhos diferentes.
Nos anos seguintes, outros grupos de samba e pagode foram surgindo e se desfazendo com o tempo, num ciclo comum às bandas formadas em cidades do interior. Atualmente, destaca-se o grupo Tô Q Tô, que representa o pagode moderno em Guaranésia. O grupo tem se apresentado em diversos eventos por toda a região, com destaque para a abertura do show do Raça Negra, em Guaranésia, no ano de 2023 — um momento simbólico e especial para os amantes do gênero.
Capítulo 20 – Vozes que Deixaram Saudade: Célia Lopes, Célia Silvério Scucuglia e o Coral Santa Margarida
Interessante como a maioria das boas recordações musicais que tenho de Guaranésia remonta ao final da década de 1990 e início dos anos 2000. Não que atualmente não existam bons momentos culturais e musicais na cidade, mas talvez essa lembrança mais marcante venha da ausência de tantas pessoas que hoje fazem falta — gente que arregaçou as mangas e realizou grandes feitos pelo município, deixando, infelizmente, apenas a saudade.
Lembro-me de sempre passar pela rua Santa Bárbara, no centro de Guaranésia, e ver uma senhora muito educada, sempre sorridente, que cumprimentava a todos com um “bom dia” ou “boa tarde”. Era uma senhora elegante, mas acima de tudo gentil. Em um determinado dia, ela me convidou para participar de um coral que havia fundado recentemente, junto com a professora de música Célia Lopes. O coral se chamava Santa Margarida.
Infelizmente, por falta de tempo — pois eu trabalhava em uma fábrica —, não consegui participar, mas tive a oportunidade de prestigiar alguns ensaios e apresentações pela cidade.
O Coral Santa Margarida foi fundado em outubro de 2002 e, com apenas cinco anos de existência, se apresentou em diversos lugares da região. Contava com aproximadamente 30 integrantes, sob a regência de Célia Lopes Andrade e com a coordenação de Célia Silvério Scucuglia.
O Coral Santa Margarida teve diversos integrantes que deixaram saudades, como a saudosa Emanuela Abílio, Dimas, Célia Scucuglia, entre outros. Suas vozes e dedicação continuam vivas na memória cultural e afetiva de Guaranésia.
Capítulo 21 – O Som de Guaranésia: Sertanejo, DJs, MCs e a Música que Embalou Gerações
Em 2007, o sertanejo universitário já havia se tornado uma febre nacional, com o surgimento de diversas duplas do gênero e cantores solo como João Bosco e Vinícius, Jorge e Mateus, Victor e Léo, César Menotti e Fabiano, entre outros. No pequeno município de Guaranésia não seria diferente. Foi justamente nessa época que começaram a surgir diversas duplas do segmento, como a dupla Gil Mattos e Guilherme, que teve bastante destaque na região.
Lembro do cantor Gil Mattos cantando rock na quadra do antigo Ginásio Alice Autran Dourado e, pouco tempo depois, já se apresentando ao lado de Guilherme Battagini. A cidade vizinha, Guaxupé, era muito conhecida, entre 2010 e 2011, pela tradicional festa de rodeio Expoagro, que trazia artistas de enorme sucesso no país. Anualmente, era feita uma música tema para a festa e, no ano de 2011, Gil Mattos e Guilherme foram os responsáveis pela criação dessa canção, o que trouxe bastante destaque para a dupla em toda a região. Eles concederam entrevistas para jornais, TVs e rádios locais, além de participarem de shows ao lado de duplas que estavam no topo das paradas de sucesso da época.
Infelizmente, alguns anos depois, a dupla se separou. O cantor Gil Mattos continuou em carreira solo, mas tempos depois voltou a cantar com Guilherme. Juntos, gravaram um DVD em comemoração aos 15 anos de carreira e trajetória da dupla.
Outro artista local que teve bastante destaque no segmento sertanejo universitário foi o jovem Danilo Henrique, que chegou a gravar algumas músicas antes de se mudar para outra cidade. Nessa mesma época, surgiram várias duplas e cantores que ganharam certo reconhecimento regional, como Adalberto e Fabiano, Luiz Renato e Diego, Luiz Panissa e Nivaldo, Gil Brasil, Cláudio Reis, e até o cantor Eldo Pratinha, conhecido por suas músicas de tom engraçado, mas que também incluía canções sertanejas em seu repertório.
Vale destacar também a Banda Irradiação, que surgiu alguns anos antes, mas que também transitava pelo estilo sertanejo.
Com o passar das décadas, o sertanejo se consolidou como o gênero mais popular e ouvido no Brasil — e, naturalmente, em Guaranésia. Novos nomes continuaram a surgir, como Ângelo e Israel, Carmo Reis e Paulinho, Paulo Aguiar, Donizete John, o saudoso Oziel, entre outros. O sertanejo raiz também teve renovação, com duplas como Zé Campestre e João Carlos — este último, filho de Aníbal Justino, com quem formou, nas décadas de 80 e 90, a dupla "Eu e Meu Pai".
A história musical de Guaranésia, cidade localizada no Sul de Minas, mostra-se extremamente rica. Com o passar dos anos, novas formas de expressão musical foram surgindo. Na atualidade, além do sertanejo, destacam-se também a música eletrônica e os bailes Flashback 80's e 90's, comandados por DJs que promovem festas com os grandes hits da época. Nesse segmento, destacam-se os DJs Alexandre Silva, Jair Pedrão e Vagner, que levam o movimento para diversas cidades da região.
Nos últimos anos, o funk também tomou conta das rádios, o que incentivou o surgimento de novos DJs e MCs, como DJ Tom, DJ DW Mix, DJ Bruno Santos e os MC Rafa da VN. Outro movimento cultural importante foram as batalhas de Hip Hop realizadas nas praças centrais da cidade, que passaram a atrair jovens para participar de batalhas de rima, dança e outras manifestações culturais.
Capítulo 22 – Vozes da Terra: A MPB, o Folk e os Artistas Solo de Guaranésia
Há alguns anos, enquanto navegava pela internet, me deparei com um rapaz de óculos escuros, gaita e violão, cantando algumas canções que até então eu não conhecia, mas que, de alguma forma, chamaram minha atenção. Algum tempo depois, encontrei meu amigo Maurinho Máscaras e comentei que estava postando alguns CDs de artistas guaranesianos. Foi então que ele me indicou o som do artista Gilberto Silva. Consegui seu CD, ouvi com calma e postei no meu blog da época, chamado Cultura de Guaranésia, para que outras pessoas também pudessem conhecer suas canções.
Certo dia, tive a oportunidade de conhecer pessoalmente aquele artista do vídeo que tanto me impressionou nas redes sociais. Era justamente o cantor Gilberto Silva, que mais tarde passou a se chamar Gilberto Guara. Fiquei extremamente feliz por conhecê-lo, não só pelo talento, mas pela simplicidade que ele demonstrou como artista — e, principalmente, por ser da minha cidade.
Até hoje, mantenho uma amizade e grande admiração por um jornalista que atualmente mora no interior de São Paulo, o Antônio, da revista RitmoMelodia. Lembro perfeitamente de ter indicado o Gilberto Silva para dar uma entrevista na revista, e, a partir dali, tive o privilégio de estreitar laços com esse artista que, sempre que visita Guaranésia, faz questão de passar na minha casa para prosear comigo e com minha família.
A música nos dá esse privilégio: conhecer inúmeras pessoas que se conectam pelos pensamentos, pelos objetivos musicais e culturais. Volto, então, ao final dos anos 90, quando participava dos saraus promovidos pela turma do teatro. Lembro como se fosse hoje de um senhor de meia-idade, tocando "Sozinho", de Peninha — sucesso na voz de Caetano Veloso — no Centro Cultural Fernandina Tavares Paes. Aquele senhor me fez mergulhar de cabeça na música brasileira e me afastar, por um tempo, do rock que eu tanto ouvia. Esse senhor era o cantor guaranesiano conhecido como Ninho Abacate, que, apenas com seu violão, fazia verdadeiros shows de canções inesquecíveis da MPB da época.
Quando olho para trás e lembro de tudo que vivi, sinto-me imensamente feliz e grato por ter tido a oportunidade de conhecer tantos artistas de Guaranésia e sua riqueza musical. Uma riqueza expressa em detalhes que pouquíssimas pessoas tiveram a sensibilidade de enxergar.
Capítulo 23 – Roberto Stanganelli: o sanfoneiro de Guaranésia que virou ator no filme Estrada da Vida, da dupla Milionário e José Rico
Em meados de 2007, era comum irmos até a feira aos domingos para comprar CDs, MP3 e DVDs. E, em uma dessas compras, acabei adquirindo o DVD do filme Estrada da Vida, que contava a história da dupla Milionário e José Rico. Gravado em 1980, o filme trazia uma cena curiosa em que a dupla trabalhava como pintores em uma loja de discos. De repente, surge em cena o dono da loja contracenando com eles.
Alguns anos depois, descobri a obra de Roberto Stanganelli e, na ocasião, fiquei encantado com sua biografia e, principalmente, com sua produção musical, que envolveu nomes de renome nacional como Chitãozinho e Xororó, entre outros artistas. Aprofundando-me em sua obra e conhecendo seus livros e discos, o que mais me chamou a atenção foi descobrir que aquele dono da loja de discos, no filme Estrada da Vida, era justamente Roberto Stanganelli — um artista nascido em Guaranésia, praticamente desconhecido até hoje, inclusive em seu próprio município natal, apesar de possuir uma obra magnífica.
Roberto Stanganelli nasceu em Guaranésia, no estado de Minas Gerais, em 24 de fevereiro de 1931. Filho de Maria Vitória Villan Stanganelli e Pedro Stanganelli, Roberto foi o décimo-quarto dos quinze filhos do casal.
Movido por sua paixão pela música, Roberto trocou Guaranésia pela capital paulista. Lá, estudou acordeon no Conservatório Musical Brasileiro e começou também a desenvolver seu talento como compositor. No início da carreira, era carinhosamente conhecido como Rob Stan.
Entre os 13 e 14 anos de idade, Roberto Stanganelli abraçou a Doutrina Espírita, inspirado pelo médium Chico Xavier, por quem sempre teve profunda admiração. Desde a adolescência, já cultivava uma postura positiva e otimista diante da vida. Esse modo de pensar se refletiu em diversos livros que escreveu com mensagens edificantes e pensamentos positivos. Entre eles, destacam-se: A Bíblia do Otimismo, Coragem Para Viver e De Vencido a Vencedor. Este último foi seu primeiro livro publicado. Inicialmente intitulado E a Vida Continua, teve o nome alterado por sugestão do amigo e compositor Diogo Mulero, o Palmeira.
Como compositor e solista de acordeon, Roberto Stanganelli estreou em disco na década de 1950 com as músicas Coração de Criança e Princesa Isabel, ambas de sua autoria e lançadas pela gravadora CID. Além de marcar suas primeiras interpretações, foram também suas primeiras composições gravadas. Mais tarde, Coração de Criança ganhou uma letra escrita por Capitão Furtado e passou a ser conhecida como Sua Majestade a Criança.
Roberto também atuou como produtor fonográfico. Foi responsável pelas primeiras gravações da jovem dupla Irmãos Lima — filhos de Mário Antônio Lima, que já havia cantado com João Mineiro (na época, conhecido como “Joãozinho”, da dupla “Joãozinho e Marinho”). Mário foi o mesmo João Mineiro que mais tarde formaria dupla com Marciano. As músicas Chitãozinho e Chororó e Moreninha Linda foram gravadas por José Lima Sobrinho e Durval de Lima, que, na época, ainda possuíam vozes infantis. Nessa gravação, é possível ouvir um coro que contou com a participação de Athos Campos e Capitão Furtado. José e Durval, então conhecidos como “Irmãos Lima”, receberam e aceitaram a sugestão de adotar um nome mais caipira: nascia assim a dupla Chitãozinho e Xororó.
Roberto Stanganelli é autor de mais de duas mil composições, abrangendo diversos gêneros, como valsas, choros, polcas, boleros, sambas, arrasta-pés, toadas, entre outros. Suas músicas foram gravadas por grandes intérpretes da música brasileira, como Tonico e Tinoco, Silveira e Silveirinha, Belmiro e Bueno, Caçula e Marinheiro, Sulino e Marrueiro, Irmãs Galvão, Cascatinha e Inhana, Charanga e Chará, além dele próprio, que também interpretava suas composições no acordeon. Muitas de suas obras permanecem inéditas até hoje.
Roberto Stanganelli faleceu aos 79 anos, no dia 24 de setembro de 2010, na cidade de São Paulo, onde viveu por muitos anos.
Capítulo 24 – A Feira Noturna de Guaranésia: um novo palco para artistas locais e impulso ao comércio
Em certo dia de 2023, enquanto trabalhava com notícias da região sudoeste mineira através do periódico diário A Voz do Povo – Guaranésia e Região, recebi uma ligação de um feirante da cidade vizinha, Guaxupé. Ele desejava trazer para o município de Guaranésia um novo projeto de Feira Noturna, com música ao vivo, especialmente com a participação de artistas locais.
Marcamos uma reunião presencial para conhecer melhor o projeto e estudar formas de viabilizá-lo em Guaranésia. Alguns dias depois, organizamos encontros com o prefeito, o secretário de Cultura e outras autoridades municipais. No entanto, o projeto não avançava como esperávamos.
Foi somente no mês de setembro de 2023 que ocorreu, nas praças centrais de Guaranésia, a primeira edição da Feira Noturna da cidade, intitulada Fernog. O evento reuniu uma grande quantidade de pessoas do município e da região, que prestigiaram e dançaram ao som de talentosos artistas guaranesianos.
A Feira Noturna teve mais algumas edições posteriormente e, a partir de 2025, voltou com força total, passando a acontecer mensalmente, com apresentações de diversos artistas locais.
Sinto-me imensamente grato por ter tido a oportunidade de participar desse projeto, que hoje se consolidou como um excelente espaço para a divulgação da cultura e da arte local, além de contribuir significativamente para o aquecimento do comércio em Guaranésia, graças ao grande público que frequenta o evento.
A Missão de Ser Voz Onde o Silêncio Reina Ser artista — ou simplesmente alguém que luta por uma causa no Brasil — já é uma missão desafiadora. Agora, imagine viver essa missão em uma cidade pequena do interior, onde muitas vezes você é perseguido, incompreendido e tem portas fechadas diante de você.
Durante todos esses anos lutando por um único objetivo — valorizar a cultura musical — enfrentei todo tipo de situação: agradáveis, desagradáveis, marcantes, tristes e até humilhantes. Mas, mesmo diante de tudo isso, o que sempre me moveu foi o desejo de seguir em frente.
Em nome da bandeira da cultura, vivi cenas duras. Fui ameaçado, apontaram o dedo na minha cara, fui chamado de "vagabundo". Vi oportunidades sumirem, portas se fecharem, empregos me serem negados. Vivi dificuldades financeiras e emocionais, tudo por acreditar na arte e na sua força transformadora.
A vida artística em uma cidade pequena é dura. Há preconceitos, julgamentos, isolamento. Mas, ao mesmo tempo, é nas palavras de incentivo, nos olhares sinceros, na força das pessoas simples que encontrei motivação. Foi ali, no coração do povo, que encontrei alimento para minha alma e força para continuar.
Mesmo sem saber exatamente qual é a missão, sigo nela. Porque todos os dias, ao acordar, sinto que há algo maior me guiando — algo que me diz que vale a pena continuar acreditando no lugar onde nasci, nas pessoas que me rodeiam e na cultura que pulsa dentro de mim.
A vida é como uma canção. Nem todas as notas são fáceis, nem todas soam perfeitas, mas juntas criam uma melodia única. E é nessa música chamada vida que sigo, nota por nota, compasso por compasso, transformando dor em arte, silêncio em som, esquecimento em memória.
Palavras que brotam do coração...
Este capítulo é mais do que um desabafo. É um grito silencioso por todos aqueles que, mesmo sem reconhecimento, continuam espalhando cultura, poesia, música e arte por cada cantinho desse país. Dedico este livro a todos os artistas do Brasil — mas, especialmente, aos artistas da minha cidade, Guaranésia.
Uma cidade simples, pequena, mas rica em humanidade, de gente trabalhadora, humilde e de coração imenso. Um lugar que, mesmo longe dos holofotes, tem alma de palco e espírito de espetáculo.
Eu poderia ter falado sobre a cultura de qualquer canto do mundo. Mas de que adiantaria, se eu não falasse da minha gente? Esta terra pode não ser conhecida pelo grande público, mas faz parte de mim — é raiz, é sangue, é história. Tudo que escrevo carrega um pouco dela.
Obrigado, Guaranésia.
Por me formar, me forjar e me fortalecer.
Por ser abrigo, solo e cenário da minha missão.
Imagens:
Acervo Pessoal / Danillo Strada
Guaranésia Memórias / Ivan David
Acervo Pessoal / Edgar Berlarmino
Fontes:
Guaranésia em Relatos
Guaranésia Memórias
Recanto Caipira
A semente deste projeto foi lançada a partir das vivências do artista guaranesiano Danillo Strada — fragmentos de vida que, entre notas e silêncios, foram se costurando ao tecido da memória afetiva. É a partir dessas lembranças que nasce o convite à leitura, como quem abre a porteira de um tempo esquecido, guiando o leitor por entre as veredas da música popular brasileira.
Mas não qualquer música. Aqui, o que se ouve é o som das raízes: das canções que brotam nos pequenos interiores, nas esquinas empoeiradas, nos rádios antigos das varandas, nas festas de coreto. Este projeto é um gesto de escuta e de resgate — um retorno ao que somos quando nos lembramos de onde viemos.
Além do livro "O Som de Nossa Terra – Guaranésia", convido você a assistir e prestigiar o documentário "O Som da Nossa Terra".
Nesta produção especial, artistas de Guaranésia compartilham suas histórias, sonhos, dificuldades e trajetórias. É um retrato sensível e verdadeiro da força cultural da nossa cidade.
Prepare-se para uma jornada repleta de emoção, saudade e inspiração.
"Por trás de cada nota, há uma história. Por trás de cada voz, um coração que pulsa por Guaranésia."
"O Som da Nossa Terra" não é apenas um documentário — é um tributo à alma artística do nosso povo.
Venha se emocionar com quem transforma vivências em arte e mantém viva a memória sonora da nossa terra.
Valorize. Sinta. Compartilhe. Viva esse som com a gente!